Te disse que entrava um fio-de-sol pela janela, mas não quis me escutar. O fio não tinha nome nem corpo mas sabia fazer os braços arrepiarem, assim, fazia tanto tempo que....
....do que é que a gente precisa pra se sentir vivo? ele perguntou, mas eu fiquei quieto, como se soubesse a resposta mas não quisesse contar. No fundo, eu mal prestava atenção, é que o sol fazia um desenho engraçado nos meus cabelos, e eu olhei e achei parecido com um filme que vi fazia um tempo. Era sobre um menino que tinha ficado pálida de tanta angústia que ele guardava, aí ele resolveu sair e conhecer o mundo.
Engraçado como as melhores decisões são tomadas nas horas de maior desespero. O fio de sol tornou a me perguntar baixinho, o que eu ia querer comer; já fazia tempo que o mundo girava lá do lado de fora, mas eu nem percebi. Sabe o que eu tenho aqui? Um grande e fundo poço preto, preto não, azul escuro, e ele nem dói, parece que nem pra isso presta, ele só serve pra me tragar, e ele traga tão fundo, como se não fosse devolver nunca mais tudo isso que ele traga, as cores, as dores, meus cabelos, e isso me deixa triste, triste, como quando eu vejo uma criança com fome na rua ou quando o céu raia cor-de-lis, eu quis dizer, mas senti como se ninguém não fosse ouvir e então fiquei parado. Eu me debati um pouquinho com o lençol e dei risada de tão bagunçado estava tudo, engraçado, lá fora as coisas pareciam em perfeita ordem, mas lugar, com aquele raio de sol a entrar pela janela tudo parecia, parecia....
....enquanto pisquei eu pensei em um milhão de fotos e coisas que eu tinha pra dizer ou pra fazer durante a manhã, antes que chegasse o dia 22, mas me deu uma canseira tão pesada que eu só consegui suspirar. Ele olhou e disse Você tá tão quieto hoje, tudo bem? Pensei que se eu tava quieto não devia estar tudo bem, que eu já não sabia apontar onde ficava o meu coração porque eu tinha a impressão que ele havia se diluído pelo corpo todo e perdido a essência e não fazia mais nada a não ser vagar pelas veias todas sem saber direito pra onde ir, coitado, não foi pra isso que nasceu, e essa coisa diluída de não saber o caminho transformava tudo em um grande emaranhado de coisas que não poderiam estar no lugar certo, mas não falei isso, não, falei só que estava tudo bem e que precisava ir trabalhar; no caminho do trabalho não tinha flor nenhuma, já faz uns dias que a primavera começou.
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